![]() |
| Foto: Geovana Albuquerque/Agência Brasília |
“Ser mulher é viver em estado permanente de alerta”, desabafa uma das vítimas atendidas pela rede pública do Distrito Federal. Somente entre janeiro e outubro deste ano, mais de 4,8 mil pessoas procuraram os Centros de Especialidades para Atenção às Pessoas em Situação de Violência (Cepavs). Para ampliar a proteção, o Governo do Distrito Federal (GDF) tem investido na expansão das unidades e na melhoria dos protocolos, garantindo atendimento biopsicossocial e encaminhamento a serviços especializados. Atualmente, são 18 centros distribuídos pelas regiões administrativas.
Buscar ajuda não foi fácil, mas foi um passo necessário, conta uma usuária do Cepav de Santa Maria. Em acompanhamento psicológico, ela decidiu revelar a violência vivida em casa durante uma sessão. O profissional então a orientou a procurar atendimento especializado. “Pesquisei, encontrei o telefone, marquei e fui”, lembra. Após as primeiras consultas individuais, passou a integrar o grupo terapêutico para mulheres. “No começo, fiquei muito nervosa. Falar sobre tudo isso é muito difícil.”
Moradora com a mãe, o padrasto e os irmãos, ela relata ter sofrido uma tentativa de abuso. “Ainda não consegui sair de casa, o que torna tudo mais complicado. Mas aqui comecei a compreender melhor o que estava acontecendo.” Com o tempo, encontrou apoio tanto na equipe quanto nas outras mulheres. “A gente cria laços, aprende sobre direitos que nem sabia que existiam. É libertador.” O atendimento também ajudou no controle das emoções: “Aprendi a lidar com a raiva, o medo e a tomar decisões.”
Outra mulher conheceu o Cepav em maio, por indicação de uma colega de trabalho. Vítima de abuso na adolescência, carregou o trauma por muitos anos. Passou por atendimentos individuais intensos e, nos grupos, começou a reconhecer outros tipos de violência em sua própria relação. “Eu achava que meu casamento era normal. Mas, ao aprender sobre a Lei Maria da Penha e os tipos de agressão, percebi que vivia um relacionamento abusivo”, relata.
Após sete anos de relacionamento e quase quatro de casamento, ela relembra episódios de ameaças, agressões psicológicas e controle financeiro. “Eu sempre minimizava: dizia que era estresse, cansaço. Até descobrir aqui que violência patrimonial também é violência.” Ela conta que não tinha acesso ao próprio cartão de crédito e que seu salário foi transferido para a conta do companheiro sem consentimento.
“O Cepav me ensinou um processo: primeiro conhecer, depois se conscientizar e, então, romper o ciclo”, afirma. “Hoje eu sei que amor não ameaça, não controla, não humilha e não tira a autonomia da mulher. Não fosse esse serviço, talvez eu nem estivesse mais viva.”
Como funciona o atendimento
Os Cepavs funcionam como porta de entrada segura para vítimas de violência, seja por procura espontânea, notificação hospitalar ou encaminhamento da rede externa. Segundo o chefe do Cepav de Santa Maria, Ronaldo Lima Coutinho, o atendimento ocorre de segunda a sexta, das 7h às 18h. “Qualquer pessoa em situação de violência pode procurar o serviço nesse horário”, explica.
O gestor ressalta que o trabalho é diferente de um atendimento hospitalar comum. “Aqui lidamos com violência doméstica, sexual, familiar, intrafamiliar e também casos de negligência. Atendemos crianças, adolescentes, mulheres e idosas.” Os centros integram a chamada Rede de Flores, conjunto das 18 unidades espalhadas pelo DF, todas voltadas ao acolhimento humanizado.
Sobre os dados de 2025, Ronaldo avalia que o aumento nos registros pode indicar tanto crescimento real quanto maior conscientização. “Ainda existe muita subnotificação. O medo, a vergonha, a dependência financeira e as ameaças silenciam muitas vítimas.”
Ele também reforça que o Cepav não possui função investigativa. “Nosso foco é cuidar da saúde emocional e fortalecer a vítima para que possa se proteger.” Segundo ele, cerca de 90% dos casos têm origem dentro do ambiente familiar.
O Cepav Flor do Cerrado, em Santa Maria, é administrado pelo IgesDF e conta com equipe multidisciplinar formada por enfermeira, técnicos, assistentes sociais, psicólogos e profissionais administrativos. Para o presidente do instituto, Cleber Monteiro, a atuação integrada da rede é essencial. “Proteger vítimas de violência exige união entre saúde, assistência social, segurança e justiça. Nosso objetivo é ampliar ainda mais essa proteção.”
Atuação em rede fortalece proteção
A Rede de Flores trabalha de forma articulada com delegacias especializadas, Cras, Creas, Caps, escolas e o sistema de Justiça. Segundo Guaia Monteiro Siqueira, do Núcleo de Prevenção e Assistência à Situação de Violência (Nupav), há avanços importantes na integração. “Realizamos monitoramento constante, capacitação de equipes e articulação direta com o Conselho Tutelar sempre que necessário”, afirma.
Também participam dessa rede instituições como a Secretaria da Mulher, comitês de proteção, ONGs e movimentos sociais, ampliando campanhas, ações comunitárias e atendimentos complementares.
No Cepav Jasmim, que atende crianças vítimas de violência sexual, a psicóloga Neulabihan Mesquita explica que os atendimentos em grupo são fundamentais. “As famílias se reconhecem nas histórias umas das outras e se fortalecem juntas. Cada grupo é único, e a metodologia se adapta à realidade de cada caso.”
Fonte: Agência Brasília




0 Comentários